«Não padronizar a prestação de cuidados na Europa é uma questão de bom senso»
Diretor executivo da Divisão Hospitalar (CLINEA) e gestor de 1.000 lares de idosos em 14 países, 97.000 camas e 20.000 funcionários no âmbito do grupo ORPEA, Emmanuel Masson, que também é membro da direção da União Europeia de Hospitalização Privada (UEHP), considera que há projetos da União Europeia que podem favorecer o acesso à saúde em diversos Estados-membros, mas que «adicionar a Europa ao caldeirão da decisão» sobre os cuidados de saúde, por exemplo, em contexto de pandemia, seria «ridículo».
1. A pandemia de COVID19 expôs fragilidades dos sistemas de saúde na Europa, houve críticas de falta de coordenação e muitas vozes já recomendam mais políticas comuns nesta área. O futuro passará por ter mais Europa na Saúde para que se alcance mais Saúde na Europa?
Durante esta crise, que ainda não terminou, a Europa evidenciou forças e fraquezas. O exemplo da negociação para a vacina pode ser considerado uma força e creio ser a primeira vez que a União Europeia está diretamente envolvida em negociações desta natureza. Depois, a divisão de stocks entre os Estados-membros é outra história…
Por outro lado, a gestão da saúde deve ser mantida em nível local. Vimos que algumas decisões de clusters foram tomadas a nível local, de uma cidade ou de uma região. É importante que este tipo de decisões, que necessita de conhecimento local, antecipação e mobilização dos atores locais, se mantenha a nível regional. Constatamos todos que alguns clusters estavam nas fronteiras entre dois países e que se revelou difícil harmonizar a vida quotidiana dos trabalhadores transfronteiriços e as decisões da COVID19, que eram diferentes de um país para o outro. Adicionar a Europa ao caldeirão da decisão seria ridículo.
2. Com tantos e tão diversos sistemas de saúde entre os Estados-membros da União Europeia, como se pode alcançar uma União Europeia da Saúde?
Os sistemas de saúde em toda a Europa baseiam-se na história local, no enquadramento nacional e jurídico de cada um dos membros e também no sistema fundador, que também é muito diferente de um país para o outro. Tentar uniformizar isso seria muito difícil e não vejo o real interesse de tal revolução. Entretanto, a Europa enfrenta dois problemas que podem ser geridos ou simplificados pela União Europeia:
– Turismo Médico: um cidadão europeu pode ser curado em qualquer parte da Europa;
– Escassez de recursos humanos: o Currículo Europeu pode facilitar o reconhecimento de diplomas (enfermeiros, cuidadores, fisioterapeutas, médicos, etc.) entre países europeus, mas também facilitar a entrada de quadros médicos de fora da Europa.
3. Como avalia a recomendação prevista em recente Resolução do Parlamento Europeu para “integrar o financiamento adequado do sistema de prestação de cuidados e indicadores e objetivos vinculativos em matéria de bem-estar nas recomendações específicas por país no âmbito do Semestre Europeu”?
Como a Europa considera cada membro diferente do outro e solicita um representante dessa diversidade, essa é uma prova da sua maturidade.
4. A Diretiva dos Cuidados Transfronteiriços de Saúde, anunciada há 10 anos para maior convergência e uniformização dos cuidados, não parece ser, hoje, mais do que uma tímida e esquecida tentativa. O que falhou? A heterogeneidade dos sistemas é um obstáculo ao direito dos cidadãos? Cada um dos sistemas tende a ser protecionista? Que lições daqui se podem retirar para o futuro?
Acho que essa padronização é uma armadilha. O risco principal não é para o paciente, mesmo que seja sempre bom melhorar a segurança e a qualidade, mas o risco principal é para os prestadores de cuidados de saúde. A padronização aumentará os requisitos e controlos de qualidade. Na maioria dos países europeus temos sistemas de controlo de qualidade geridos pelo Estado ou por outros financiadores (seguros), e podemos ter os dois… Esses controlos são necessários, mas estão indexados à maturidade do mercado local e às formas como este está organizado.
Se se generalizarem os padrões europeus, será preciso alinhar a prestação das unidades de saúde pelos principais requisitos fixados na Europa. Será uma missão impossível e muito dispendiosa. Portanto, não é uma questão de protecionismo, mas de bom senso.
Precisamos de um quadro comum para o futuro e isso é bom, mas no quadro temos de aceitar níveis diferentes.
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