«A liderança da UEHP pela APHP é o reconhecimento do desempenho dos hospitais privados portugueses»
Eleito recentemente como presidente da União Europeia de Hospitalização Privada (UEHP), o líder da APHP, Oscar Gaspar, revela o que se pode esperar da sua direção nas duas entidades. Das prioridades da UEHP ao caráter único dos Prémios Europeus de Hospitais Privados, com passagem pelos desafios do setor, como o risco de desvio de dotação da Saúde para reforço dos orçamentos do setor da Defesa na Europa, Oscar Gaspar comenta os principais dossiers da atualidade. Espera conseguir ativar a reconhecida diplomacia portuguesa e a «coincidência feliz» da presidência portuguesa do Conselho Europeu da União Europeia é apenas isso… uma mera coincidência.
- Já representa a APHP na União Europeia de Hospitalização Privada (UEHP) há quase 10 anos. O que o motivou a aceitar o desafio de presidir também a esta federação das associações de hospitais privados europeus?
A UEHP é a associação europeia que representa os hospitais e clínicas privadas da Europa. Nos últimos anos tive a honra de, em nome da APHP, ser um dos vice-presidentes do Dr. Paul Garassus e, nesse sentido, acompanhei mais de perto os dossiers europeus da hospitalização privada. Quando, há uns meses, o Dr. Garassus assumiu que não se recandidataria, depois de fazer contactos com congéneres de alguns países, decidi apresentar uma lista em que sou o presidente. Tenho dois vice-presidentes, uma de França e um da Roménia, e outros colegas de Itália, Alemanha, Polónia, Grécia, Áustria e Hungria. No documento estratégico que apresentámos, e que sintetiza a nossa motivação, fica claro que se entende que o associativismo é um método válido e poderoso para defendermos as posições do setor e que a UEHP pode fazer muito mais, quer em Bruxelas e nas instâncias comunitárias, quer no trabalho de acompanhamento em cada um dos países associados. A liderança da UEHP pela APHP também representa o reconhecimento que existe pelo desempenho dos hospitais privados portugueses.
- Nas diversas áreas de atuação da UEHP, quais serão as prioridades da sua presidência? Porquê?
A agenda dos hospitais privados da Europa é muito clara. Sabemos bem o que é necessário para que possamos continuar a contribuir ativamente com uma oferta acrescida e eficiente de cuidados aos cidadãos. Enquanto empresas, os hospitais privados reclamam liberdade de investimento e não discriminação. Como prestadores de cuidados de saúde, defendemos o pleno reconhecimento, dado que os hospitais privados desempenham uma missão de serviço público, e, como tal, devem ser envolvidos como pilar dos sistemas de saúde, aproveitando-se os recursos para o aumento do acesso e a modernização dos serviços. Já na relação com os diferentes serviços de saúde/Ministérios da Saúde é essencial que se garanta a justiça, com procedimentos transparentes, que pressuponham a previsibilidade e assentes em preços economicamente eficientes. O trabalho a desenvolver passa por um reconhecimento por parte de todos os stakeholders da saúde do papel dos hospitais privados nos sistemas de saúde. Ou seja, na cobertura das necessidades de saúde dos cidadãos, com qualidade e eficiência.
- Os Prémios Europeus de Hospitais Privados são uma iniciativa portuguesa. O que representam para o setor na Europa? Quais os seus principais contributos para o setor?
Não diria que os Prémios Europeus de Hospitais Privados (EPHA) são uma iniciativa portuguesa, mas antes que são uma iniciativa europeia e da UEHP com base numa proposta da APHP. As duas primeiras edições dos EPHA foram realizadas em Lisboa e a terceira em Bucareste e, tendo em conta o seu sucesso e a repercussão que tiveram, constituem o maior evento dos hospitais privados na Europa. Os EPHA são muito importantes pela mobilização que suscitam para a apresentação de (boas) candidaturas, pela oportunidade para dar a conhecer boas práticas e projetos inovadores, pela capacidade de envolver parceiros do setor e ainda pela possibilidade de agregar na gala de atribuição dos prémios um número significativo de responsáveis por hospitais de toda a Europa e de decisores. Os EPHA têm sido uma excelente demonstração da vitalidade, representatividade e capacidade de inovação dos hospitais privados da Europa.
- Que desafios e constrangimentos prevê à escala europeia que não tem a nível nacional? E vice-versa?
A generalidade das questões com que nos confrontamos (escassez de profissionais de saúde, discriminação entre operadores, imposição de preços regulados artificialmente baixos, transição digital e sustentabilidade e um trabalho sem fim pela eficiência e pela humanização dos serviços, etc.) é uma preocupação partilhada pelos diversos países e devemos juntar esforços e experiências para encontrar as melhores soluções. Para além disso, desafios como o da escassez de médicos e de enfermeiros e o das transições digital e ambiental são transversais a hospitais públicos e privados – estamos todos no mesmo barco e todos temos como objetivo servir as pessoas, quer em situação de doença, quer, preferencialmente, no acompanhamento da sua situação saudável.
Diria que o maior desafio a nível europeu é encontrar um método de trabalho que estimule a participação de todos para termos informação completa sobre o que acontece em cada país e podermos antecipar problemas ou propor soluções com que algum sistema de saúde já se confrontou. Por outro lado, uma enorme diferença é que cada vez há mais questões que têm uma componente europeia (veja-se a questão do Espaço Europeu dos Dados de Saúde, o Plano de Ação sobre cibersegurança dos hospitais, mas também o reforço da saúde pública para a prevenção de crises sanitárias, etc.) pelo que há que estabelecer contactos com o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia, a DG Santé, etc., para que os contributos de todas as partes sejam considerados.
- Assumir a presidência da UEHP, a par da responsabilidade individual, é um compromisso de uma associação nacional. O que prevê que mude na atividade da APHP durante a sua presidência da UEHP?
Continuarei a ser Presidente da Associação Portuguesa dos Hospitais Privados e, por isso, a maior parte do tempo estarei em Portugal. Penso que não necessitarei de estar fora do país mais do que uma semana por mês e a UEHP em nada reduz o meu compromisso com os hospitais privados portugueses. Terei um pouco menos de tempo disponível, mas espero compensar com mais informação e a presença permanente das “questões portuguesas” em Bruxelas.
- Apesar de alguns pontos de contacto, os sistemas de saúde europeus são bastante díspares na sua organização. É esse o principal entrave a uma União Europeia da Saúde?
Os países europeus têm sistemas de saúde muito diferentes e, de acordo com os Tratados Europeus, as competências em termos de saúde são de cada Estado-Membro. Ou seja, e para tornar claro, a União Europeia da Saúde não pretende que haja um sistema de saúde único na UE ou que todos os sistemas sejam iguais.
Recorde-se que a iniciativa de avançar para a União Europeia da Saúde veio da Presidente da Comissão Ursula von der Leyen (que, já agora, é médica) na sequência da COVID19 e das suas lições: dado que a saúde e a doença não têm fronteiras, que partilhamos objetivos comuns e que a UE é um espaço de liberdade de movimentos, então justifica-se que a UE, enquanto tal, tenha mecanismos para prevenir futuras crises de saúde pública e coordenar a sua resolução, ao mesmo tempo que deve garantir que a cidadania europeia tenha também uma componente em saúde.
Como princípio geral, a ideia de que todos os europeus, independentemente de onde estejam, devem ter acesso aos cuidados de saúde de que necessitam, prestados com o melhor standard terapêutico, é inspiradora e faz sentido. As dificuldades para a sua implementação prendem-se com o facto de falarmos de sistemas muito fragmentados (vários países têm internamente diversos “sistemas de saúde”), alguns deles bastante depauperados em termos de recursos e, na minha opinião pessoal, pelo facto de haver várias resistências a assumir um diálogo franco e construtivo com todos os agentes do setor.
- Em 35 anos de UEHP ou, se quisermos, 88 anos, contabilizando a vigência das associações que a precederam, apenas dois portugueses presidiram aos seus destinos. A língua poderá favorecer a diplomacia?
Os portugueses são habitualmente tidos como pessoas abertas e que conseguem construir consensos. Temos capacidade de trabalho, somos um país que não tem qualquer problema político ou institucional com nenhuma geografia mas, porventura pela nossa História, conhecemos bem outras culturas e estamos habituados a dialogar com todos. O Eng. Teófilo Leite foi o primeiro presidente português da UEHP e ainda hoje o seu trabalho é recordado e reconhecido como de grande dinamismo e competência. Pela minha parte, tentarei não desmerecer a boa imagem de que os portugueses têm nas organizações internacionais. O facto de o Dr. António Costa ser o Presidente do Conselho Europeu é uma coincidência… mas uma coincidência feliz.
- De que forma pode a UEHP ter um papel mais interventivo na definição das políticas de saúde na Europa?
A UEHP tem como objetivo representar os interesses da hospitalização privada na Europa perante os organismos da União Europeia, defender o direito de estabelecer prestadores privados de saúde e promover a integração dos hospitais privados nos sistemas de saúde dos países membros. Pretende-se que a UEHP seja um interlocutor participante em todos os debates sobre políticas de saúde da Europa e possa, articulando a experiência dos diferentes países, encontrar soluções para o maior acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, com qualidade, segurança e sustentabilidade. Como Presidente da UEHP cabe-me coordenar os trabalhos e ser o rosto da associação.
- Este clima de instabilidade política e de guerra na Europa, que pressiona os Estados europeus a alocar mais verbas para o setor da Defesa, pode impedir a União Europeia e os Estados-Membros de dar a devida atenção ao setor da Saúde?
Essa é uma ameaça, mas seria um erro trágico se a UE e os países europeus descurassem o investimento em Saúde. Vale a pena recordar que, a propósito da pandemia, foi publicado um texto no The Lancet em que se afirmava que tínhamos de substituir o “Health in all policies” utilizado durante décadas, pelo “Health for all policies”. É isto mesmo, como sociedade temos que ter consciência que sem saúde não há nada…nem sequer condições de ganhar nenhuma guerra.
Recorde-se que o pai dos serviços nacionais de saúde, Lord Beveridge, apresentou o seu relatório em dezembro de 1942, em plena 2ª Guerra Mundial e os ingleses tiveram a coragem e a visão para decidir investir num ambicioso e inovador plano de proteção social, mesmo numa conjuntura de extrema pressão bélica.
A saúde é um fator determinante de desenvolvimento, há mesmo uma relação biunívoca entre saúde e desenvolvimento e as necessidades (e expectativas) vão aumentar, pelo que cabe aos decisores políticos criar as melhores condições para tirar o melhor partido do potencial tecnológico e de conhecimento existente.
Por outro lado, a UE procura um caminho para não perder competitividade e recordo que o (excelente) Relatório Draghi defende que a Europa deve assumir um papel liderante (e de defesa da soberania) em alguns setores específicos, sendo um deles a Saúde. A digitalização da saúde, a capacidade de sequenciação genómica, a utilização da Inteligência Artificial no ciclo de vida dos medicamentos, o incremento dos ensaios clínicos são alguns exemplos em que a Europa tem mesmo de investir… enquanto não é demasiado tarde.
- Que palavra definiria o que pretende para a sua presidência da UEHP? Porquê?
Participação. Participação de todos os países na UEHP. Participação dos stakeholders da Saúde na nossa agenda. Mais participação dos hospitais privados na definição das políticas de saúde. Maior participação dos hospitais privados na oferta de saúde aos cidadãos.
Deixe um comentário
Tem de iniciar a sessão para publicar um comentário.