Doentes no centro do sistema de saúde
Novembro é, há vários anos, o mês de alerta para as doenças do homem, de sensibilização para o cancro do pulmão ou de consciencialização para a diabetes, mas será difícil encontrar um 11º mês como o deste ano, em que os doentes se fizeram ouvir, a plenos pulmões, para reivindicar um sistema de saúde definitivamente orientado para as suas necessidades.
Em protocolos, conferências, estudos e estatísticas, que culminaram, simbolicamente, no dia da restauração da independência, numa carta aberta à Ministra da Saúde, subscrita por dezenas de associações de doentes, estes reclamam melhor acesso aos cuidados de saúde e «o retomar imediato da assistência nos hospitais».
78 associações de doentes assinam protocolo com instituições privadas de saúde
Os membros do Conselho Estratégico Nacional da Saúde da CIP, a que a APHP pertence, e 78 Associações de Doentes assinaram, a 11 de novembro, na Sede Nacional da Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM), em Lisboa, um documento de entendimento que estabelece medidas para garantir e melhorar o acesso das pessoas com doença aos cuidados de Saúde.
O documento propõe 13 medidas de implementação imediata, consensualizadas entre as Associações de Doentes e as instituições privadas do setor da saúde, para a retoma urgente dos cuidados de saúde a estes cidadãos. Dessas medidas, destacam-se “a criação de um plano de recuperação específico” para o efetivo e urgente acesso aos Cuidados de Saúde Primários, “a criação de um Serviço de Apoio ao Doente” nas unidades de saúde de maior complexidade e dimensão, e a garantia de acompanhamento do doente através de um “auxílio especial a todos as pessoas que dele necessitem, nomeadamente pessoas idosas” e as que “apresentem limitação das funções físicas ou mentais”.
71 minutos pela Saúde
Na manhã do dia 18 de novembro, na conferência 71 Minutos Pela Saúde, organizada pela Convenção Nacional da Saúde, foram apresentados dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística sobre um aumento de mortalidade de cerca de 8%, mais oito mil óbitos do que a média dos anos anteriores. A mortalidade atribuída à COVID explica 27% dessas mortes, ou seja, quase 5.740 óbitos não têm explicação.
Neste contexto, «é fácil perceber que os doentes crónicos com situações que agudizam, que doentes que têm doenças agudas, não estão a ser tratados e morrem em casa”, alertou o médico António Ferreira, do Hospital de São João. Perante esta situação, António Ferreira, que questionou a estratégia de resposta à pandemia, considerou que «a cura é pior que a maleita, está a fazer mais mal».
«Nalgumas patologias, o pior ainda está para vir», afirmou, por sua vez, Fernando Araújo, Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de S. João, relativamente aos doentes não-COVID que não se têm dirigido aos hospitais.
Oscar Gaspar, presidente da APHP, também presente na iniciativa, considerou que o sistema de saúde, como um todo, está mobilizado na luta conta a COVID-19, mas que «é cada vez mais claro que a outra pandemia, a pandemia que afeta os milhões de doentes não Covid, tem de ter uma resposta. Há uma preocupação grande de muitos intervenientes sobre a atividade dos cuidados de saúde primários, que acaba por estar a impedir o acompanhamento de doentes e o diagnóstico atempado de doença».
No discurso de encerramento da conferência, o reitor da Universidade do Porto, António Sousa Pereira, apelou à criação de uma task force a nível nacional para encontrar soluções para os doentes não-COVID.
‘Via verde’ oncológica para travar mortalidade
Números apresentados no 17.º Congresso Nacional de Oncologia, que avalia o impacto da pandemia, apontaram para uma quebra de 60 a 80 por cento dos novos diagnósticos de cancro. A presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia (SPO), Ana Raimundo, defendeu, por isso, a criação de uma ‘via verde’ no tratamento do cancro e a libertação dos médicos de família no acompanhamento da COVID-19 como estratégias contra o aumento da mortalidade.
Um estudo recente revela que os portugueses têm consciência dessa falta de resposta. A pensar na perceção que os portugueses têm sobre o cancro, o que sabem sobre a doença e como veem a resposta do setor da Saúde, a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA) encomendou um estudo à GfK Metris, no âmbito da iniciativa “Cancro: Cada Dia Conta – Da Prioridade à Acção”. Divulgados no dia 25 de novembro, os resultados evidenciaram que a Saúde tem muita importância para 97% da amostra (de 1001 inquiridos), que o cancro preocupa 75% (excluindo a COVID-19) e, ainda, que só três em cada 10 inquiridos (33%) entendem ser uma prioridade do Governo.
A desconfiança dos portugueses em relação ao SNS
O estudo Perceções Sociais sobre a COVID-19, apresentado a 19 de novembro, pela diretora da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), Carla Nunes, na reunião do Infarmed que juntou vários peritos para analisar a situação epidemiológica em Portugal no âmbito da pandemia de COVID-19, revelou a clara desconfiança dos portugueses em relação ao SNS.
Em relação ao nível de confiança na capacidade de resposta dos serviços de saúde à COVID-19, observa-se «desde maio, junho uma tendência muito clara com o pouco confiante e nada confiante a ganharem espaço e relevância e, neste momento, cerca de 40% das pessoas manifestaram esses sentimentos».
Quanto à confiança na capacidade de resposta dos serviços de saúde a outras doenças, este padrão mantém-se «com o pouco confiante ou nada confiante a ganharem cada vez mais peso», com perto de 70% das pessoas a afirmarem-no.
Seguros de saúde aumentam como meio para ter alternativa ao SNS
Entre maio e setembro deste ano, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) estima existir em Portugal um aumento de 600 mil subscritores de seguros de saúde. De 2,5 milhões para 3,1 milhões, em cinco meses. Em diversos fóruns públicos, as companhias de seguros e a associação que as representa percecionam este aumento como o desejo dos portugueses de terem uma alternativa ao SNS.
68 associações de doentes crónicos escrevem carta aberta à Ministra da Saúde
«Senhora ministra, representamos milhões de portugueses doentes que exigem o retomar imediato da atividade assistencial nos hospitais. Não queremos ver a nossa saúde cativa» – esta é a principal reivindicação de 68 associações portuguesas de doentes crónicos, que, no dia 1 de dezembro, publicaram, no jornal Público, uma carta aberta Ministra da Saúde (https://www.publico.pt/2020/12/01/opiniao/opiniao/saude-nao-ficar-cativa-1941183).
Na missiva, escrevem não poder prescindir «de profissionais de saúde disponíveis», da «tecnologia e da ciência necessárias a acompanhar a evolução de cada uma das patologias», «de um contexto médico atualizado, continuado e disponível» e «de uma resposta clínica sem interrupções permanentes e sem dúvidas sobre a regularidade da assistência».
Afirmando serem «tão doentes como os doentes COVID-19» e que as doenças não competem entre si, os subscritores consideram que «o cancelamento de tratamentos, consultas, exames e cirurgias […]» é o «muro silencioso» com o qual se confrontam.
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