Europa conta com os hospitais privados na resposta aos doentes não-COVID
Há uma crise de saúde pública escondida e indiretamente motivada pela COVID-19 na Europa: o excessivo atraso no atendimento de doentes não COVID-19. A telemedicina, a hospitalização domiciliária, a revalidação automática de receitas ou as linhas telefónicas dedicadas não são resposta para tudo e a restituição do acesso destes doentes aos cuidados de saúde é muito díspar, no que diz respeito à colaboração dos hospitais privados, de país para país.
Em Portugal, a 21 de setembro, o Ministério da Saúde anunciou a criação de uma ‘task-force’ para dar resposta aos doentes não COVID-19. A medida faz parte do Plano da Saúde para o Outono-Inverno e visa uma «aposta na resposta maximizada nos cuidados de saúde primários, com atendimento presencial, não-presencial e domiciliário, bem como nas respostas de proximidade, incluindo dispensa de medicamentos».
Os profissionais do setor, contudo, criticam o que dizem ser pouco pragmatismo. «Temos muitas intenções, mas falta saber como fazer na prática. O documento tem uma série de princípios, mas depois faltam as metas e como fazer», afirmou Miguel Guimarães, Bastonário da Ordem dos Médicos à Rádio Renascença. É «absolutamente essencial» dar uma resposta aos doentes não COVID-19, que permita recuperar a atividade perdida, mas o plano Outono-Inverno não avança com medidas concretas, sublinha Miguel Guimarães. «Uma coisa é dizer que está previsto haver hospitais COVID e COVID Free, a verdade é que não estão definidos quais vão ser os hospitais COVID Free. Para termos hospitais COVID Free, precisamos ou não de ter mais infraestruturas?», pergunta o responsável máximo da Ordem dos Médicos.
Em Portugal, onde o número de mortes em casa subiu 18% em 2020, muitas têm sido as vozes, à semelhança da APHP, que sustentam a necessidade da adoção de um programa extraordinário de recuperação de atividade em atraso no SNS, com a colaboração dos setores privado e social.
António Bagão Félix, ex-ministro das Finanças e da Segurança Social, em entrevista recente ao Notícias ao Minuto, defendeu, a respeito dos cuidados de saúde neste contexto de pandemia de COVID-19, que «os próximos meses serão importantes e bom será que não venha ao de cima esta ideia, que por vezes é aflorada, de maniqueísmo entre o serviço público e a oferta privada». O ex-governante afirmou que «tem de haver uma cooperação completa, mas de cabeça limpa entre público, privado e social na oferta hospitalar, que permita uma complementaridade que beneficie todos. Por vezes, mesmo ao nível do Governo e dos partidos que apoiam o Governo, há a ideia de que de um lado está o anjo e do outro está o diabo. Isso parece-me absolutamente inconsequente, errado e desaproveitador de condições que a todos devem servir».
Na Europa, franceses e ingleses, que sabem bem o que é o esforço de guerra, já não têm dúvidas que neste contexto de combate a um vírus para o qual ainda não existe antídoto, o contributo de todos é essencial, sem preconceitos de ideologia.
Em Inglaterra, o NHS prepara-se para, em regime de concurso público, investir até £ 10 biliões em tratamentos nos hospitais privados para fazer face ao impacto negativo da COVID-19. O plano britânico de recuperação do tempo de acesso à saúde prevê a aquisição de consultas e cirurgias, durante um período de quatro anos, a hospitais independentes.
Dados oficiais do NHS evidenciam que mais de 50.000 doentes esperam tratamento há, pelo menos, um ano. A espera média da maioria dos doentes ronda as 37 semanas, muito acima da meta definida pelo NHS, que é de 18 semanas. O serviço de saúde inglês já estava com problemas de acesso, mas o tempo de espera agravou-se dramaticamente com o impacto do coronavírus, que, tal como em Portugal, forçou o cancelamento de cirurgias e consultas. O concurso será lançado até ao final de setembro e os contratos serão rubricados até o final de novembro de 2020.
Em França, a cooperação público-privado é muito forte. Numa conferência de imprensa recente, partilhada com Olivier Veran, Ministro da Solidariedade e Saúde, o presidente da Federação de Hospitalização Privada, Lamine Gharbi agradeceu ao governo francês o compromisso de compensar todas as despesas dos hospitais privados, depois deste ter solicitado camas para acomodar doentes com COVID-19. Questionado sobre as lições a tirar da crise, Lamine Gharbi insistiu na necessidade de simplificar os procedimentos: «A crise mostrou: a simplificação é essencial! Para uma autorização de reanimação, demorou 10 anos antes da crise. Agora, tivemos 100 em três dias. Todos juntos, podemos ter sucesso e combater eficazmente a epidemia».
Na Alemanha, onde foi definido, desde o início da pandemia, que o Estado assegura uma compensação pela quebra imposta nos serviços hospitalares privados durante o confinamento, esta crise revelou o sucesso de um sistema assente na coabitação entre os setores público e privado. Os hospitais concentram-se em tranquilizar os cidadãos, para os quais um retorno aos cuidados se tornou essencial, e lembrando-os das medidas de segurança do atendimento ao paciente.
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