Entrevista a Pedro Pita Barros, embaixador da Missão Cancro, da Comissão Europeia

Entrevista a Pedro Pita Barros, embaixador da Missão Cancro, da Comissão Europeia

O cancro é uma das principais prioridades da Comissão Europeia no domínio da saúde e o professor Pedro Pita Barros foi recentemente indigitado embaixador da Missão Cancro, uma das cinco áreas das primeiras grandes missões de I&D definidas no âmbito do próximo Programa-Quadro de Investigação e Inovação, Horizonte Europa (2021-2027). Em entrevista à Feedback, explicou que a Missão Cancro está focada numa efetiva redução do número de mortes por cancro e que as estratégias passam pela prevenção, pela educação e literacia da população e dos profissionais de saúde, pela consciencialização de todos sobre os fatores de risco inerentes aos estilos de vida e pela inovação no domínio do tratamento.

Em que consiste a Missão Cancro da UE?
A Comissão Europeia definiu que no novo Horizonte Europa, para apoio à investigação, haverá “missões”, que são definidas através da procura de soluções para desafios que se colocam à sociedade europeia. A missão do cancro irá apresentar objetivos e planos de ação que consigam gerar mobilização na sociedade e respostas nesta área.

Para os cidadãos e para as pessoas mais envolvidas na questão oncológica, o que se poderá esperar desta nova ambição?
Num prazo de 7 a 10 anos, deveremos conseguir transformar de modo significativo a forma como o cancro é visto, no que conhecemos sobre a forma como aparece, como opera e como pode ser tratado. E que esse conhecimento tenha reflexos rápidos na vida da sociedade europeia. É uma ambição que cobre toda a Europa, e onde as vantagens de juntar esforços à escala europeia são claras. Todos estão envolvidos na questão oncológica, uma vez que é um problema que pode afetar qualquer pessoa. Parte da ambição é que cada um, qualquer que seja a sua situação atual, possa partilhar as respostas a dar aos desafios que venham a surgir desta Missão. Se a Missão cumprir a sua ambição, não será apenas investigação que fica pelos laboratórios, e passará para a vida de todos, doentes e não doentes, profissionais da área da saúde ou não.

Fazendo parte do Mission Board e sendo embaixador da missão para alguns países, entre os quais Portugal, quais são as suas perspetivas sobre os projetos e os agentes a dinamizar?
Numa visão pessoal, podemos olhar os “agentes” em vários grandes grupos: 1) os investigadores, a trabalhar desde a molécula até à cabeceira do doente na parte clínica, mas também no conhecimento social do que é ser doente e ex-doente de cancro na sociedade europeia; 2) os profissionais de saúde e os prestadores de cuidados de saúde, que tratam de organizar o conhecimento gerado em intervenções de saúde; 3) os doentes e ex-doentes, com as suas necessidades específicas e aspirações legítimas; 4) os decisores públicos, do sistema de saúde e de outras áreas de governação (por exemplo, os mais ligados à exposições ambientais que favoreçam o aparecimento de cancro); 5) os cidadãos em geral, que um dia poderão ser doentes ou próximos de quem vier a ser doente. Todos eles terão de ser mobilizados, para objetivos comuns. Os objetivos que vierem a ser traçados para a Missão Cancro terão necessariamente uma visão ampla, geral, que se desdobrarão em vários planos de ação. A construção desses planos de ação e sua aplicação deverá ter, se forem cumpridos os princípios inerentes ao que se pretende que seja uma Missão, a participação destes vários agentes. A minha primeira esperança é que em Portugal haja ideias e capacidade de as colocar na discussão europeia que irá ajudar a estabelecer os objetivos concretos da Missão Cancro. A segunda esperança é que em Portugal haja a capacidade de participar em iniciativas europeias, ou ibéricas (regionais), em aspetos de prevenção, tratamento e acompanhamento de doentes e ex-doentes, com um envolvimento mais geral do que apenas a participação de instituições de investigação em projetos europeus.

Sendo a Missão cancro aberta e até desafiante, qual pensa que pode ser o papel dos prestadores privados de saúde na prossecução dos seus objetivos?
As “missões”, nas suas linhas orientadoras, pretendem alcançar uma grande participação. Incluem-se por isso também os prestadores privados, que terão a oportunidade de pensar, quem sabe repensar, como contribuem para se alcançar os objetivos que venham a ser definidos. Embora não estejam ainda fixados esses objetivos, não é difícil antecipar que os prestadores privados poderão estar presentes em várias dimensões: na investigação, ajudando na geração de conhecimento sobre o cancro e os seus mecanismos; na prevenção e no tratamento, áreas onde haverá certamente inovações importantes; e, por fim, no acompanhamento, ao longo da vida, de quem teve cancro, foi tratado e retomou a sua vida diária. É natural que nem todos os prestadores privados se sintam motivados ou vocacionados para todas as áreas de intervenção, e a especialização e excelência em pontos específicos será certamente valiosa. Apesar de estar no âmbito do Horizonte Europa, as Missões não se substituem aos outros instrumentos de apoio à investigação científica no espaço europeu. Pretendem ser uma forma diferente de operacionalizar a investigação e os seus resultados, mas sem fazer desaparecer os instrumentos mais tradicionais.

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