«A APHP tem hoje uma participação respeitada em todos os temas da saúde»
José Carlos Lopes Martins, que tem um dos mais vastos curricula na administração hospitalar, a que se dedica desde 1978, foi presidente da direção da APHP entre 2001 e 2004. Neste primeiro “Discurso Direto”, a pretexto dos 50 anos da APHP, reconhece que o paradigma da hospitalização privada portuguesa mudou radicalmente nos últimos 20 anos e que «a APHP tem tido um reconhecimento e relevância, hoje imprescindível, na defesa dos interesses dos associados».
- O que conhecia e que relações mantinha com a APHP antes de ser presidente?
Só a partir de 1999 entrei no universo da hospitalização privada, pelo que, antes de 2001, os contactos foram apenas os de representante de associado em algumas (poucas) reuniões.
- Qual é a memória mais antiga que tem da ação da APHP ou das entidades que a precederam?
A memória mais antiga era de uma fraca participação de associados na vida da APHP.
- Quando chega à presidência da APHP, esta assinalava 30 anos. Como descreveria a atividade da APHP até então?
Era uma atividade circunscrita à negociação com os sindicatos dos acordos coletivos de trabalho.
- O que o motivou a candidatar-se à presidência da APHP?
A necessidade de uma Associação mais forte e interventiva.
- Quais os principais desafios e conquistas da APHP nesses anos (2001-2004)?
Obter o reconhecimento dos stakeholders da saúde, nomeadamente do Ministério da Saúde, subsistemas e seguradoras, criando uma agenda de contactos e de temas relevantes que interessassem os associados na vida da associação.
- Como era percecionada a hospitalização privada, pelos parceiros sociais e pela sociedade? De que forma essa perceção condicionava a ação da APHP?
A hospitalização privada era percecionada (e era a realidade de então) como um setor de dimensão limitada e pouca expressão no conjunto do sistema de saúde.
- Nesse período, quais os temas de saúde que dominavam as preocupações da opinião pública?
Genericamente, a opinião pública refletia as preocupações de acesso – listas de espera, deficientes condições de instalações e “casos” surgidos na prestação de cuidados.
- Como caracterizaria a hospitalização privada e os seus serviços e estruturas nesse período (2001-2004)?
Os hospitais privados, estruturados como tal, estavam a surgir e, com duas ou três exceções, tinham predominantemente a natureza de clínicas e sem grande diferenciação tecnológica. Existia, sobretudo a norte, um vasto conjunto de organizações de caráter religioso – as Ordens – que se dedicavam a atividades de prestação de cuidados de saúde.
- Quais os principais obstáculos que percecionava ao desenvolvimento da hospitalização privada portuguesa?
Os vultosos investimentos e o risco de ir para um mercado onde os principais operadores (os hospitais públicos) ofereciam em todas as áreas serviços gratuitos.
- Qual a importância da Lei de Bases da Saúde de 1990 para o aumento da capacidade da hospitalização privada na década seguinte?
A LBS de 1990 representou a criação de um sistema de saúde em vez de apenas um serviço nacional de saúde, bem como o reconhecimento, nesse contexto, do papel relevante do setor privado.
- A prestação de serviços de hospitalização privada não pode, para muitos, ser desconetada das fontes de financiamento. Qual o seu papel, em particular dos seguros de saúde, subsistemas e convenções, no crescimento da hospitalização privada em Portugal?
As coberturas financeiras por terceiros têm um papel essencial no desenvolvimento da hospitalização privada.
- Durante o seu mandato, a nível internacional, como eram as relações com as congéneres europeias? E com a União Europeia de Hospitalização Privada? Que temas se debatiam à escala europeia?
As relações eram ténues.
- Fala-se em Turismo de Saúde e das virtudes de Portugal nesse domínio, pelo menos, desde o ano 2000. O que falta a Portugal para concretizar o que parece bem desenhado no papel?
Falta uma estratégia ambiciosa com forte envolvimento governamental, de afirmação de Portugal, no mercado internacional.
- Em 2001 foram criados, em Portugal, os canais de informação de TV. Nasceram também os reality-shows. E em 2004, o Facebook. Estes novos meios mudaram, na sua perspetiva, a forma da sociedade percecionar os temas de saúde? Em que medida?
Os temas de saúde, já de si prioritários nas preocupações dos portugueses, passaram a ter maior presença.
- Como analisa a atividade da APHP após 2004?
Tem sido uma força e afirmação crescente e, sobretudo nos últimos anos, tem tido um reconhecimento e relevância, hoje imprescindível, na defesa dos interesses dos associados e na participação respeitada em todos os temas da saúde. Os contributos produzidos pela Direção nos debates sobre saúde têm sido relevantes e de grande qualidade.
- Pelo menos, desde 2002, atendimentos permanentes, consultas externas e cirurgias nos hospitais privados portugueses, com exceção de uma pequena inflexão em 2007, são indicadores em crescimento constante. Como observa a evolução da hospitalização privada em Portugal e na Europa nos últimos 20 anos?
O crescimento quantitativo e qualitativo tem sido notável. Os dados objetivos demonstram-no.
- O que motiva, na sua perspetiva, a preferência crescente dos portugueses em relação à hospitalização privada?
A qualidade clínica e de amenidades, a capacidade de inovação demonstrada e o foco permanente no Cliente.
- Hoje, os 127 hospitais privados existentes em Portugal representam mais de metade das unidades hospitalares do país. Em que medida é justo dizer-se que estão a contribuir ativamente para o abrandamento do ritmo de crescimento da despesa pública com a saúde, enfim, para a sustentabilidade financeira do sistema de saúde, favorecendo a manutenção de um modelo social, solidário e universal?
Pode dizer-se com toda a propriedade. Para além de contribuírem para a sustentabilidade, os hospitais privados melhoram a oferta de saúde e induzem competitividade em todo o sistema.
- Se esta é uma evidência, porque resiste o Estado a reconhecê-la? Porque resiste em permitir mais liberdade de escolha dos cidadãos?
O Estado e os decisores políticos têm estado contaminados por uma cultura ideológica dicotómica, público versus privado, que hoje podemos considerar pouco racional face à demonstração efetiva dos benefícios para o cidadão da complementaridade entre setores.
- Se tivesse essa oportunidade, como gostaria de encontrar a hospitalização privada daqui a 50 anos? E qual teria de ser, nessa perspetiva, o contributo da APHP?
50 anos é muito tempo, mas, estou certo de que, com o apoio dos associados, a APHP será um protagonista fundamental no desenvolvimento do sistema de saúde, quer interna, quer externamente.
BIOGRAFIA
José Carlos Lopes Martins
Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra.
Diplomado em Administração Hospitalar pela Escola Nacional de Saúde Pública.
Administrador Principal do Hospital de Vila Real (1978-81).
Administrador Regional do Centro do Serviço de Informática da Saúde (1981-83).
Administrador dos Hospitais da Universidade de Coimbra (1983-88).
Presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (1986-1989).
Administrador-Delegado Hospitais da Universidade de Coimbra (1988-93).
Administrador executivo dos Hospitais CUF Descobertas e Infante Santo.
Secretário de Estado da Saúde (1993-1995).
Integrou grupos de trabalho de nomeação ministerial (preparação da Lei do SNS, Estudo da Reforma do Financiamento).
Exerceu atividade de consultoria em saúde em Moçambique e Macau.
Foi coordenador de um dos quatro Grupos de Trabalho do Relatório Gulbenkian – Um Futuro para a Saúde.
Tem cerca de centena e meia de conferências e apresentações a congressos e conferências e cerca de vinte textos em várias publicações.
Exerce atividade docente (UN, INDEG/ISCTE, Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra).
Administrador da José de Mello Saúde (1998-2016) onde é atualmente Consultor.
Presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (2001-2004).
Membro da Direção do Health Cluster Portugal.
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